“Num pequeno lugar do
sul de Minas, Pocinhos do Rio Verde, há um pico de pedra bruta, a “Pedra
Branca”. Para se chegar ao alto passa-se por um bosque com regatos e poços de
água cristalina. Saindo do bosque, é a pedra bruta, trabalhada pelo vento e
pela água, através dos milênios...”
Rubem
Alves
Rubem Alves amava a Pedra Branca. Eu também.
A montanha sagrada de Caldas, no Sul de Minas Gerais, está
em meu imaginário desde o começo da adolescência, por causa das histórias de
acampamentos e “expedições” que meus coleguinhas-escoteiros mais velhos contavam.
Um dia chegou a minha vez de acampar na mítica montanha - foi uma das
experiências mais marcantes que tive e que me despertou um grande amor e mesmo
um fascínio pelas montanhas. Subi no seu topo apenas em mais uma ocasião, mas
mais tarde a contemplei, desenhei e pintei inúmeras vezes. Muito tempo depois fui morar uma temporada em
Caldas e lá conheci Rubem Alves. Nada sabia sobre o escritor, até que li uma
edição do jornalzinho que ele mesmo publicava na cidade. Identifiquei-me muito
com os seu textos, com a forma simples e profunda de falar das coisas belas e
importantes da vida e as suas ideias sobre ecologia e humanidade para a nossa pequena
cidade. Queria muito conhecê-lo, até que fui apresentado a um casal especial, Tomiko
e Hans, também novos moradores de Caldas e grandes amigos do Rubem. Em pouco
tempo já participava dos gostosos almoços, jantares, e cafés que a Tomiko
preparava na sua linda e antiga casa mineira. Em alguns deles, estava o Rubem
Alves, quando vinha de Campinas para refrescar a cabeça e curtir seu chalezinho
nas montanhas de Pocinhos do Rio Verde, distrito de Caldas, pertinho da Pedra
Branca, que ele tanto amava e se preocupava. Ficamos amigos e para mim era
sempre uma celebração quando nos encontrávamos: adorava sua conversa e ouvia
com atenção as suas histórias, suas ideias sobre a vida. Uma das minhas
melhores passagens de ano foi justamente no seu chalé, no caminho da Pedra: foi
uma noite linda e aconchegante, com pouca gente, inclusive os meus pais, que
tiveram a alegria de conhecê-lo. Muita história, muita conversa boa e alguma
cantoria. Para coroar a madrugada, um improvável e majestoso urubu-rei apareceu
pousado na varanda do chalé. Ficamos em silêncio espiando. Noite inesquecível.
As serras da região de Caldas e principalmente a Pedra Branca
eram os temas mais frequentes do meu trabalho naquela época. Eu tinha muitos
esboços, aquarelas e algumas telas com a pintura da montanha. Uma delas, a maior,
ficava na varanda de minha casa e decidi que nunca a venderia. Porém, na
primeira vez que o Rubem lá esteve, se apaixonou pela tela. Quis comprá-la de
qualquer jeito. Não tive dúvida - a tela tinha que ser dele! Comprou a pintura
da Montanha e levou para sua casa em Campinas. Fiquei muito feliz que a “minha”
Pedra Branca, que ambos amávamos, tenha ficado com ele e que ela estaria ali,
disponível em sua sala para ser contemplada e lembrada, mesmo estando longe de
Caldas.